Há algum tempo, ouvi uma entrevista de um eminente político londrinense, que elaborou um frase bastante interessante do ponto de vista gramatical. Quem o ouviu, entendeu perfeitamente o que ele quis dizer, mas, aos meus ouvidos, soou assaz estranha a frase.
Disse ele o seguinte: Já éramos para ter resolvido isso. Quis ele dizer que Já deveríamos ter resolvido isso. O verbo “ser” entrou na construção da frase como um vício de linguagem. Os brasileiros usamo-lo indevida e comumente como parte de orações equivalentes à usada pelo tal político. Ele é, porém, uma anomalia sintática – o verbo, não o político –; não há parâmetro gramatical aceitável para esse uso.
A expressão ser + para + infinitivo (era para eu fazer; era para ele dizer; é para nós estudarmos, era para nós termos resolvido isso, etc.) é uma corruptela – alteração, modificação – de uma estrutura mais bem construída, como Já era possível para nós ter resolvido isso, em que o pronome nós não funciona como sujeito do verbo ter, como aparenta, mas sim como complemento do adjetivo possível, por isso o verbo ter fica na forma não flexionada, não concordando com o pronome nós. É inadequada, portanto, a forma Já era possível para nós termos (ERRADO) resolvido isso.
Sintaticamente, a frase apresentada tem como sujeito uma oração (que é representada por um verbo como o núcleo). Observe:
– O que era possível? Resposta: ter resolvido isso, que é o sujeito do verbo ser (o núcleo é a estrutura verbal ter resolvido, que é o que é possível), e, quando um sujeito é representado por uma oração, o verbo tem de ficar no singular: era, e não “éramos”.
– O adjetivo possível pede uma complementação: era possível para quem? Resposta: para nós. O pronome nós, portanto, liga-se ao adjetivo possível, não ao verbo ter.
Há ainda, no entanto, uma inadequação na frase tida como ‘bem construída’: o verbo ser não deveria ser conjugado era, mas sim teria sido, pois era indica uma ação do passado realizada:
– Eu ERA escoteiro quando Londrina ERA a Capital Mundial do Café, na década de 70.
A construção teria sido indica uma possibilidade passada. Por exemplo:
– Londrina teria sido uma cidade melhor se tivesse tido melhores governantes.
Por isso o adequado é o seguinte:
– Já teria sido possível para nós ter resolvido isso.
Resolvido o problema gramatical da frase apresentada, surge outra pergunta: se o político eminente cometeu tal equívoco gramatical, este deve ser comum aos outros cidadãos. E o é (Estranhou a construção E o é? Explico-lhe: esse o substitui o adjetivo comum; é equivalente a isso: E é isso, ou seja E é comum).
Usamos a estrutura ser + para + infinitivo constantemente. É a linguagem livre, é o chamado ‘português brasileiro’. Tudo bem. Não serei o chato a dizer que não se deve usar isso se eu mesmo o uso constantemente. O maior problema foi a concordância efetivada pelo “politico”: “… éramos para ter…”.
Essa construção talvez tenha sido motivada por uma estrutura verbal semelhante, porém adequada ao padrão culto: a locução verbal, formada pelo verbo principal, o que indica a ação ou a qualidade do sujeito, e o auxiliar, que concorda com o sujeito em número e pessoa (eu, tu, ele, nós, vós eles), que pode ser ser, estar, ter, haver, dever, poder, ir, precisar, continuar:
– estou lendo; havias falado; iremos reclamar; precisam estudar; continuamos a tentar…
Como é o verbo auxiliar de uma locução que concorda com o sujeito e como, na frase apresentada pelo político, aparentemente há a formação de uma locução verbal, houve o equívoco por parte do cidadão; por isso ele disse o que disse.
Deveria ter dito, porém, “Já era para termos resolvido isso”. Se, mais uma vez porém, quisesse usar a língua padrão, o adequado seria o seguinte:
– JÁ DEVERÍAMOS TER RESOLVIDO ISSO.