Assistindo ao filme O Ilusionista, percebi que o tradutor do filme para a Língua Portuguesa cometeu alguns deslizes ao usar pronomes de tratamento. Na história, há um príncipe herdeiro do trono do país onde se passa a trama. Todos que com ele conversavam usavam frases como as seguintes:
– Vossa Alteza, abra a porta!
– Vossa Alteza, não irei para Bruxelas.
Não é o primeiro filme a que assisto com essa inadequação. E, você, aluno estudioso, percebeu a inadequação? Vamos à explicação:
Os pronomes de tratamento são palavras ou locuções que funcionam como pronomes pessoais para a designação das pessoas do discurso: o senhor, a senhorita, Vossa Majestade, Sua Alteza, etc. O pronome de tratamento mais usado no Brasil é, indiscutivelmente, você. Sabido isso, chega-se facilmente à conclusão de que as frases apresentadas acima estão inadequadas, não é mesmo? Ninguém diria “Você, abra a porta!” nem “Você, não irei para Bruxelas”. Os pronomes de tratamento, salvo exceções, não são usados como vocativo.
Vocativo é a forma linguística que expressa, no discurso direto, aquele a quem o emissor se dirige. Discurso direto é a reprodução das palavras de alguém nos termos exatos em que foram ditas. Por exemplo:
– Elídio, abra a porta!
– Lorena, volte logo para casa.
Nessas frases, Elídio e Lorena são vocativos, pois o emissor da frase se dirige a eles, chamando-os para praticar determinadas ações.
Como usar, então, adequadamente os pronomes de tratamento? Vejamos:
Usam-se os pronomes de tratamento iniciados por “Vossa …” ao conversar com a pessoa. Por exemplo:
– Vossa Alteza tem de saber a verdade.
– Gostaria de conversar com Vossa Excelência sobre nosso problema.
Usam-se os pronomes de tratamento iniciados por “Sua …” ao conversar sobre a pessoa. Por exemplo:
– Sua Santidade, o papa, esteve no Brasil.
– Sua Excelência, o governador, foi condenado por corrupção.
O que é muito importante também saber é que os pronomes de tratamento são pronomes de terceira pessoa, exatamente o que acontece com o pronome você. Tudo que se referir aos pronomes de tratamento deve concordar com a terceira pessoa, como ocorreu com as frases acima. Os verbos “ter, estar e ser” estão na terceira pessoa (tem, esteve e foi) por esse motivo.
Outra regra concernente aos pronomes de tratamento é quanto ao uso do artigo (o, a, os, as, um, uma, uns, umas): não se usa artigo diante dos pronomes de tratamento, a não ser diante de “dona, senhor, senhora, senhorita e madame”. Seriam, portanto, inadequadas, frases como as seguintes: “Não gostei da Sua Excelência, o novo governador”; “Apoio a Vossa Excelência, caro prefeito”. O adequado é o seguinte:
– Não gostei de Sua Excelência, o novo governador.
– Apoio Vossa Excelência, caro prefeito.
E o vocativo? Como ficam os pronomes de tratamento se quisermos usar como vocativo?
Usam-se outras palavras como vocativo. Vejamos algumas:
– Alteza, para príncipes;
– Majestade, para reis;
– Excelentíssimo, para indivíduos de alta hierarquia social;
– Ilustríssimo, para pessoas a quem nos dirigimos por escrito e para aquelas a quem atribuímos certa dignidade.
As frases ditas no filme, então, deveriam ser assim escritas:
– Alteza, abra a porta!
– Alteza, não irei para Bruxelas.