Ambiguidade, ou anfibologia, é, na gramática, a qualidade ou o estado do que é ambíguo, que, por sua vez, significa “que se pode tomar em mais de um sentido”. É o que ocorre com a frase apresentada no título deste texto: “O professor chamou o aluno indisciplinado”. Vejamos por quê:
O verbo “chamar” tem vários significados. Na maioria deles, é usado sem preposição alguma, com sentido próximo a “convocar”:
– O comandante chamou as tropas.
– O padre chamou os fiéis para a missa.
– O ministro chamou o embaixador.
No sentido de “invocar”, deve ser usado com a preposição “por”:
– A garotinha chamava pela mãe desesperadamente.
– Nos momentos de aflição, chama por Deus.
No sentido de “dar qualidade positiva ou negativa”, o verbo “chamar” tanto pode ser usado com a preposição a quanto sem ela, e a qualidade, denominada sintaticamente de “predicativo do objeto”, pode ou não ser introduzida pela preposição de. Se, por exemplo, alguém chamar outrem de indisciplinado, haverá quatro possibilidades de construção frasal. Suponha-se que o professor tenha atribuído a qualidade de indisciplinado a um aluno. Haveria estas possibilidades:
– O professor chamou o aluno indisciplinado.
– O professor chamou o aluno de indisciplinado.
– O professor chamou ao aluno indisciplinado.
– O professor chamou ao aluno de indisciplinado.
Sabe-se que o complemento de um verbo sem preposição pode ser representado pelos pronomes o, a, os, as. As duas primeiras frases, portanto, podem ter as seguintes substituições:
– O professor chamou-o indisciplinado.
– O professor chamou-o de indisciplinado.
Sabe-se também que o complemento de um verbo com a preposição a pode ser representado pelos pronomes lhe, lhes. As duas últimas frases, portanto, podem ter as seguintes substituições:
– O professor chamou-lhe indisciplinado.
– O professor chamou-lhe de indisciplinado.
Há, entretanto, um problema sintático que provoca ambiguidade numa das frases apresentadas, que é o seguinte: a qualidade indisciplinado pode ser um termo que especifica ou delimita o significado de aluno ou um termo que expressa um atributo ou uma circunstância a aluno. Aquele é denominado sintaticamente de adjunto adnominal; este, de predicativo do objeto. Aquele indica a existência definitiva da qualidade; este, transitória. Um exemplo disso:
– O aluno esforçado consegue boas notas, em que o aluno é esforçado;
– O aluno, doente, não pôde comparecer às aulas, em que o aluno está doente. Aqui, predicativo; lá, adjunto adnominal.
Numa das frases, então, o aluno é sabidamente indisciplinado; noutra, não o é, e a qualidade foi-lhe atribuída pelo professor, ou é-o, mas a qualidade foi atribuída somente naquele instante.
No primeiro caso, não há, por conseguinte, o significado de “dar qualidade”, pois ela já existe: o aluno é indisciplinado. O verbo chamar, portanto, não pode ser usado com a preposição a, pois só será usada nesse sentido – dar qualidade.
Não há ambiguidade, portanto, em “O professor chamou ao aluno indisciplinado” nem em “O professor chamou ao aluno de indisciplinado”. Também não há ambiguidade em “O professor chamou o aluno de indisciplinado”, pois só se usa a preposição “de” diante da qualidade quando esta for predicativo.
O verbo “chamar”, na frase apresentada no título deste texto (O professor chamou o aluno indisciplinado) é a que pode ter, então, dois sentidos: no significado próximo de “convocar”: O professor convocou o aluno que é sabidamente indisciplinado; e no significado de “dar qualidade”: O professor atribuiu a qualidade de indisciplinado ao aluno. Há ambiguidade, ou anfibologia, nessa frase. Caso alguém queira construir frase semelhantes, deve-se dar preferência às outras três.