Prezado Prof.Catarino,
Meu nome é Énrico,estou estudando português , eu achei no Google esta frase :
Se eu tivesse ganho dinheiro, teria comprado um carro.
A minha pergunta para o Senhor é a seguinte: por que não foi conjugado o verbo ganhar no próprio particípio passado? ou seja:
Se eu tivesse ganhado dinheiro, teria comprado um carro.
No caso a frase achada fosse certa, poderia ser tão gentil me explicar que tipo de particularidade verbal seria e se há mais na língua portuguesa?
Aguardo sua resposta
Atenciosamente
Olá, Enrico,
Os verbos ganhar, gastar e pagar passaram a ser um problema em nosso idioma. Explico-lhe o porquê:
Até meados da década de 1990, esses verbos eram considerados abundantes por terem dois particípios: um para a voz ativa, quando o sujeito pratica a ação verbal: ganhado, gastado e pagado, denominado de particípio regular; outro para a voz passiva, quando o sujeito sofre a ação verbal – ganho, gasto e pago, denominado de particípio irregular. Por exemplo:
– Eles têm ganhado muito dinheiro. (Voz ativa, pois o sujeito pratica a ação de ganhar dinheiro)
– Esse dinheiro foi ganho por mim mediante muito trabalho. (Voz passiva, pois o sujeito sofre a ação)
– Eles têm gastado muito dinheiro. (Voz ativa, pois o sujeito pratica a ação de gastar dinheiro)
– O dinheiro foi gasto por mim. (Voz passiva, pois o sujeito sofre a ação)
– Eles não têm pagado todas as contas. (Voz ativa, pois o sujeito pratica a ação de pagar as contas)
– As contas não têm sido pagas por eles. (Voz passiva, pois o sujeito sofre a ação)
Ocorre que, por volta de 1995, as principais gramáticas passaram a julgar esses verbos não abundantes, ou seja, verbos que possuem um particípio só – o irregular. Ganho, gasto e pago transformaram-se na única forma adequada de particípio desses verbos, tanto para a voz ativa quanto para a voz passiva.
Pois bem. Em virtude do Acordo Ortográfico assinado pelo então Presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva, em 2009, a Academia Brasileira editou o Dicionário Escolar da Língua Portuguesa, no qual há o registro desses três verbos novamente como abundantes – ganhado, gastado e pagado para a voz ativa; ganho, gasto e pago para a voz passiva. Portanto, extinguiu-se a não abundância deles: o que tinha passado a ser considerado inadequado há vinte anos voltou a ser o oficial.
Há duas análises, portanto, para a frase apresentada:
1- Antes da Reforma Ortográfica, era considerada adequada, pois o verbo ganhar não era considerado abundante.
2- Com a Reforma Ortográfica, passou a ser considerada inadequada, pois o verbo ganhar voltou a ser abundante.
O problema maior, porém,é que a Presidenta Dilma adiou a oficialização do Acordo Ortográfico em terras brasileiras para 2016, ou seja, até o último dia de 2015 o Brasil contará com duas ortografias oficiais: a anterior à Reforma e a modificada por ela. Ambas podem ser utilizadas sem receio.
A recomendação é que um mesmo texto contemple apenas uma ortografia – a velha ou a nova; não se devem misturar as escritas. Se o autor do texto optar por usar o trema, por exemplo, que foi abolido dos grupos “que, qui, gue, gui”, deve manter no texto todo a ortografia pré-Reforma. Por exemplo, deve escrever assim:
“Eu estaria tranqüilo se tivesse ganho aquele dinheiro” – tudo na velha ortografia.
Se, porém, optar por não usar o trema, deve manter no texto todo a ortografia pós-Reforma. Por exemplo, deve escrever assim: “
Eu estaria tranquilo se tivesse ganhado aquele dinheiro” – tudo na nova ortografia.
Abraços,
Dílson Catarino