A palavra crase provém do grego (krâsis) e significa mistura. Na língua portuguesa, crase é a fusão de duas vogais idênticas, mas essa denominação visa a especificar principalmente a contração ou fusão da preposição a com os artigos definidos femininos a, as ou com os pronomes demonstrativos a, as, aquele, aquela, aquilo.
a + a = à
a + as = às
No a + aquele(s) = àquele(s)
a + aquela(s) = àquela(s)
a + aquilo = àquilo
Para saber se ocorre ou não a crase, basta seguir três regras básicas:
01) Só ocorre crase diante de palavras femininas.
– O sol estava a pino. Sem crase, pois pino não é palavra feminina não genérica
– Ela recorreu a mim. Sem crase, pois mim não admite artigo feminino.
– Estou disposto a ajudar você. Sem crase, pois ajudar não é palavra feminina; é verbo.
02) Se a preposição a for exigida por uma palavra que indica destino (ir, vir, voltar, chegar, cair, comparecer, dirigir-se, ida, vinda, chegada, etc.), substitua-a por outra que indique procedência (vir, voltar, chegar…); se, diante da que indicar procedência, surgir da, diante da que indicar destino, ocorrerá crase; caso contrário, não ocorrerá crase. Essa substituição serve para demonstrar a existência da preposição e do artigo, cuja junção exige o acento indicador de crase.
venho de = vou a
venho da = vou à
– Vou a Porto Alegre. Sem crase, pois Venho de Porto Alegre.
– Vou à Bahia. Com crase, pois Venho da Bahia.
– A ida à fazenda foi tranquila, mas a volta à cidade foi um caos. (Voltei da fazenda; voltei da cidade)
03) Se não houver palavra indicando destino, substitua a palavra feminina por outra masculina; se, diante da masculina, surgir ao, diante da feminina, ocorrerá crase; caso contrário, não ocorrerá crase. Essa substituição serve para demonstrar a existência da preposição e do artigo, cuja junção exige o acento indicador de crase.
– Assisti à peça. Com crase, pois Assisti ao filme.
– Paguei à cabeleireira. Com crase, pois Paguei ao cabeleireiro.
– Respeito as regras. Sem crase, pois Respeito os regulamentos.
Casos especiais:
01) Nas expressões adverbiais à moda de e à maneira de, mesmo que as palavras moda e maneira fiquem subentendidas, ocorre crase.
– Fizemos um churrasco à gaúcha. (À moda gaúcha; à moda dos gaúchos)
– Comemos bife à milanesa e espaguete à bolonhesa. (À moda milanesa e à moda bolonhesa; à moda de Milão e à moda de Borgonha)
– Joãozinho usa cabelos à Príncipe Valente. (À moda do Príncipe Valente)
02) Nos adjuntos adverbiais de modo, lugar e tempo femininos, ocorre crase.
à tarde, à noite, às pressas, às escondidas, às escuras, às tontas, à direita, à esquerda, à vontade, à revelia …
– Encontrei Tiago ontem à noite.
– Saí às pressas de casa.
03) Nas locuções prepositivas e conjuntivas femininas ocorre crase.
Locução prepositiva feminina é a junção de a + substantivo feminino + de sem que o substantivo feminino exerça a função de sujeito nem de objeto direto;
Locução conjuntiva feminina é a junção de a + substantivo feminino + que sem que o substantivo feminino exerça a função de sujeito nem de objeto direto.
à maneira de, à moda de, à custa de, à procura de, à espera de, à medida que, à proporção que…
– Ele está à procura da esposa.
– À proporção que o tempo passa, mais sábios ficamos.
04) Na locução adverbial a distância, modernamente o acento indicador de crase passou a ser opcional. Se, porém, houver a locução prepositiva à distância de o acento passa a ser obrigatório.
– Reconheci-o a distância.
– Convém mantê-los à distância.
– Reconheci-o à distância de duzentos metros.
– Convém mantê-los à distância de alguns metros da piscina.
05) Diante do pronome relativo que ou da preposição de, quando for fusão da preposição a com o pronome demonstrativo a, as, que pode ser substituído por aquela, aquelas, ocorre crase:
– Essa roupa é igual à que comprei ontem. (a + aquela)
– Sua voz é igual à de um primo meu. (a + aquela)
06) Diante dos pronomes demonstrativos este(s), esta(s), isto, esse(s), essa(s), isso não ocorre crase, mas diante de aquele(s), aquela(s), aquilo, sim, se houver a preposição a.
– Não assisti a essa série, mas àquela da garota… (a + aquela)
– Obedeça àqueles que lhe são superiores. (a + aqueles)
07) Diante dos pronomes relativos a qual, as quais, quando o verbo da oração subordinada adjetiva (o que vem logo depois de a qual, as quais) exigir a preposição a, ocorre crase.
– A cena à qual assisti foi chocante. (Quem assiste, assiste a algo)
08) Quando o a estiver no singular, diante de uma palavra no plural, não ocorre crase, pois falta-lhe o artigo.
– Referi-me a todas as alunas, sem exceção.
– Não gosto de ir a festas desacompanhado.
09) Nos adjuntos adverbiais de meio ou de instrumento, não há consenso entre os gramáticos. Uns dizem que deve ocorrer crase; outros, que não. Modernamente ambas as opiniões são aceitas.
– Preencheu o formulário a caneta.
– Matou o desafeto a faca.
– Pagou o automóvel à vista.
10) Diante de pronomes possessivos femininos, é facultativo o uso do artigo se o pronome acompanhar substantivo, então, quando houver a preposição a, será facultativa a ocorrência de crase.
– Referi-me a sua professora.
– Referi-me à sua professora.
Obs.: Caso o pronome possessivo não acompanhe substantivo, mas o substitua, o artigo será obrigatório; se, então, houver a preposição a, o acento indicador de crase também será obrigatório.
– Não me referi a sua esposa, e sim à minha.
– Não me referi à sua esposa, e sim à minha.
11) Após a preposição até, é facultativo o uso da preposição a, portanto será facultativo o uso do acento indicador de crase se houver substantivo feminino à frente.
A preposição “até” tem o sentido de “limite de tempo ou de lugar”.
Se, porém, “até” for advérbio, terá o sentido de “inclusive” ou de “no máximo”, e não poderá ser seguido da preposição “a”. Por exemplo:
– Fui até a secretaria.
– Fui até à secretaria.
Nessas frases, há a indicação de limite de lugar. A preposição, então, é facultativa. Como o artigo “a”, o acento indicador de crase é facultativo.
– Faminto, ele come até pedra. (Inclusive)
– Coloque até cinco colheres de açúcar. (no máximo)
Observe este exemplo:
– Aparamos a grama até o jardim frontal.
Nessa frase, não é possível saber se “até” é preposição (limite de espaço) ou advérbio (inclusive).
Se for preposição, é recomendável o uso da preposição para evitar ambiguidade:
– Aparamos a grama até ao jardim frontal. (Limite de lugar. Não se aparou a grama do jardim frontal)
– Aparamos a grama até o jardim frontal. (Inclusive a grama do jardim frontal foi aparada)
12) A palavra CASA:
Diante da palavra casa não haverá artigo quando significar ‘moradia, lar’ e não estiver especificada. Consequentemente, não haverá crase nesse caso:
– Cheguei a casa antes do restante da família.
Se a palavra casa estiver especificada, será determinada pelo artigo “a”. Se houver a preposição “a”, ocorrerá crase:
– Cheguei à casa de Ronaldo antes de todos.
Se a palavra casa não estiver especificada, mas significar a construção, o prédio, será determinada pelo artigo ”a”. Se houver a preposição “a”, ocorrerá crase:
– Saímos da casa e fomos até o lago. (…) Quando voltamos à casa, ela estava todo bagunçada.
13) A palavra TERRA:
– Significando planeta, é substantivo próprio e tem artigo, consequentemente, quando houver a preposição a, ocorrerá a crase.
– Os astronautas voltaram à Terra.
– Não ocorre crase em oposição a bordo, ou, como registra Napoleão Mendes de Almeida, em sua Gramática Metódica da Língua Portuguesa, “caso de supressão do artigo se dá com a palavra terra na acepção de chão firme, empregada para contrastar com o elemento movediço do mar: ‘Estive em terra’ – ‘Iremos por terra’.”
– Os marinheiros voltaram a terra.
– Se o vocábulo terra vier seguido de uma especificação, será determinado por artigo. Consequentemente, se for regido por termo que exija a preposição a, ocorrerá crase
– Irei à terra de meus avós.
– No sentido de “área ou região não especificada; local, região, território” não se usa o artigo.
– Não quero viver em terra estranha.
– Esta cidade é terra de ninguém.
Observe este trecho de Saramago na obra Levantado do chão:
“Não é coelho ou ginete para apodrecer ao sol, mas imaginando que a fome, ou o frio, ou o calor o deitem a terra onde não deram por ele, ou uma doença daquelas que não dão sequer o tempo de pensar nisso, menos ainda de chamar alguém, mesmo tarde hão de achar.”
Ele não usou o acento indicador de crase em “… o deitem a terra onde não deram por ele”, por “terra” ter o sentido de “área ou região não especificada”.
Comprova-se a ausência do artigo, substituindo-se a preposição “a” por “em”: “… o deitem em terra onde não deram por ele”
Segundo o dicionário Houaiss, o vocábulo “terra” será determinado por artigo, e consequentemente pode ocorrer crase, com os seguintes sentidos:
1 Superfície sólida da crosta terrestre onde pisamos, construímos, etc.:
O papa ajoelhou-se para beijar a terra. Quando seus lábios chegaram à terra, teve uma síncope.
2 Torrão natal; pátria:
Voltou à terra anos depois.
3 Porção de terreno que pertence a alguém; domínio, propriedade, fazenda, herdade:
Emocionava-se quando se referia à terra.
4 Espaço onde se enterram os mortos; cemitério, sepultura, cova:
Dar um corpo à terra.
5 Quando nominar o nosso planeta (inicial maiúscula”):
Os astronautas chegaram à Terra.
14) Nomes de pessoas: Diante de nome de pessoas, usa-se artigo para indicar afetividade ou familiaridade, podendo, no entanto ser omitido. Nessa indicação, portanto, o acento indicador de crase também será opcional.
Caso não haja a indicação de familiaridade, não ocorrerá crase.
– Referi-me a Tarsila do Amaral, importante artista brasileira.
– Referi-me à Bruna, namorada de meu irmão.
– Referi-me a Bruna, namorada de meu irmão.
15) Ambiguidade: Em alguns casos, deve-se usar o acento indicador de crase para evitar ambiguidade. Por exemplo:
– Matar a fome. (= comer) / Matar à fome. (= deixar à míngua)
– Bater a porta. (fechar a porta com violência) / Bater à porta. (= anunciar-se)
– Cheirava a rosa. (sentia o cheiro da rosa) / Cheirava à rosa. (= exalava o cheiro de rosa)
16) Combinação de “de … a” e “da … à”: Em combinações da preposição de com a preposição a, ou haverá artigo com ambos ou com nenhum. Por exemplo:
– Estarei lá das 14h às 16h. (Ambas as preposições se contraem com artigos: de + as = das; a + as = às)
– Estarei lá de 14h a 16h. (Nenhuma preposição se contrai com artigo)
– De segunda a quarta, estaremos fechado. (Nenhuma preposição se contrai com artigo)
– De 10 a 14 de abril… (Nenhuma preposição se contrai com artigo)
17) Palavras masculinas: Não há crase diante de palavras masculinas.
– O sol estava a pino.
18) Verbos: Não há crase diante de verbos.
– A partir de amanhã, atenderemos em novo horário.
19) Horas: Haverá crase diante de horas se houver a preposição “a” e a hora for feminina. Caso haja outra preposição, que não “a“, como desde e após, não ocorrerá a crase. Havendo a preposição até, o acento indicador de crase será facultativo.
– Cheguei às 14h.
– Estou aqui desde as 14h.
– Chegarei após as 14h.
– Ficarei até as 14h.
– Ficarei até às 14h.
20) Palavras iguais: Entre palavras iguais não há crase.
lado a lado, cara a cara, dia a dia, gota a gota
21) Pronomes de tratamento, pessoais, quem e cujo:
Diante dos pronomes de tratamento iniciados por Vossa… e por Sua… e diante de você, não ocorre crase:
– Não me referi a Vossa Excelência, caro governador, mas a Sua Excelência, o prefeito da capital.
Diante dos pronomes pessoais – mim, ti, si, ele, ela, nós, vós, eles, elas – não há crase:
– Dirigiu-se a mim desrespeitosamente.
Diante de quem e de cujo, cuja, cujos, cujas não ocorre crase:
– A pessoa a quem me referi era ela.
– O aluno a cujo pai me referi era ele.